Ainda agora estava numa praça com fontes, estudantes que desenhavam a carvão e um casal de velhos que caminhava devagar, enquanto uma criança estrangeira os seguia com os olhos curiosos que os miúdos abrem para os aviões, os cães e os palhaços.
Ainda agora vi uma mulher linda, com um vestido dourado e lábios vermelhos, em poses de fotografia para uma objectiva. Era Primavera e, nas ruas da cidade, todos pareciam ter o propósito de aproveitar o dia. Mas quis saber o que se iria passar no parlamento e corri para casa.
Ainda agora tudo era vivo e luminoso, mas já estou diante da televisão, por vezes fechando os olhos como o meu avô a meio do telejornal, confuso, sem perceber bem o que se passa no hemiciclo. Por mais jornais que leia, comentadores que ouça, por mais que tente descodificar as estratégias e a lábia dos partidos, continuo meio despistado (...)
No ecrã e nos Passos Perdidos, o país aparece-me tão raivoso como um cão maltratado, bruto nos modos, inconsequente, infantil nas bocas de bancada para bancada, um "diz que disse" fictício, uma narrativa que tantas vezes nada tem a ver com a realidade, uma novela mal encenada quando tudo parece prestes a pegar fogo. Apago a televisão para ter a cabeça limpa. Lá fora continua a haver sol e pessoas na rua e gente feliz porque é Primavera. E agora?
Hugo Gonçalves in "Jornal i"
3.24.2011
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