4.12.2011

À espera de Thomsen

Vicente era o totó da turma, o solitário que preferia livros com dragões aos jogos de vídeo com selvajaria urbana, o puto que usava as calças quase nos mamilos, o único que ainda não deixara vestígios de pornografia no histórico do computador. Vicente já acumulava livros de super-heróis quando os seus coleguinhas ainda pediam chuchas para dormir a sesta. Durante a escola primária passou ao lado das colecções de cromos de futebolistas e agora, que entrara no liceu, usava a internet para seguir a vida dos seus ídolos: filantropos da tecnologia e prémios Nobel com blogues. Para arranjar espaço para o seu novo ídolo, Vicente tirou o poster de Bill Gates, substituindo-o por artigos de jornais sobre Poul Thomsen, o líder da equipa mutante do FMI a caminho de Lisboa. Vicente não estivera nas filas histéricas para ver os Tokio Hotel nem esperou para entrar em discotecas após um campeonato de shots. Mas na noite anterior à chegada de Poul Thomsen, pegou no saco- -cama, no laptop e no livro "O Necromante" - já lera, do mesmo autor, "O Alquimista", "O Mágico" e "A Feiticeira". Pôs-se a caminho do aeroporto, sentou-se nas "Chegadas" e escreveu numa cartolina: "Thomsen, quero a tua gravata." Com o telemóvel tirou uma foto do ecrã informativo dos voos e colocou-a no Facebook. Passou o resto da noite a procurar Poul Thomsen entre os milhares de homens com o mesmo nome na rede social. Era a primeira vez que ia ver um super-herói ao vivo. Queria ser seu amigo antes de o conhecer pessoalmente. No pedido de amizade escreveu: "Vai ficar tudo bem, não vai?"

Hugo Gonçalves in "jornal i"

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