Entro no Metro, nos Restauradores, e olho a carruagem iluminada como uma pastelaria, sinto o cheiro dos cegos que batem com a bengala no chão e fazem chocalhar moedas na caixa de esmolas. Ninguém lê livros ou jornais. Ninguém fala. Bolhas de música em redor de pessoas com auscultadores, casulos feitos com as mensagens escritas nos telemóveis, cada um na sua viagem. Mas ao fundo vejo um negro com a cabeça polida em vez de cabelos brancos, fato de pastor protestante, bengala de escritor, pose de quem viveu para poder contar histórias. Ela agarra-lhe a mão, é branca, e o exagero da maquilhagem não esconde completamente que um dia foi bonita como uma actriz de cinema mudo. Está tão bem vestida como ele, pérolas nas orelhas, cabelo de cabeleireiro, sorriso de quem está de passeio numa tarde de Primavera. Todas as portas se abrem na estação da Avenida. Não entra ninguém e por instantes há a ilusão do que está lá em cima, as árvores e as suas sombras, engravatados nas esplanadas dos quiosques, as flores dos jacarandás que aparecem em Maio para mudar as cores de Lisboa, pessoas paradas sorrindo para a beleza púrpura das árvores. Estamos a chegar ao Marquês, eles continuam de mãos dadas, falando, sorrindo e mimando-se sem que os possa ouvir. Mas não é o ruído metálico dos carris nem o teclar dos telemóveis que me impede de os perceber. Ele diz: "Vamos ver os jacarandás?" Ela não precisa de dizer nada. Eu saio, eles seguem viagem. É por causa deles, gosto de pensar, que existem tantas flores de jacarandá nesta cidade.
Hugo Gonçalves in "Jornal i"
5.20.2011
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