Era sexta-feira e ela sabia que na semana seguinte talvez a chamassem ao escritório do chefe - não seria a primeira a sair dali com uma pequena compensação e uma carta que garantia o seu profissionalismo. Era sexta-feira e havia bailaricos nos bairros da cidade e esplanadas com gente progressivamente alcoolizada, drogada, apaixonada. Ela encontrou-se com as amigas e não foi preciso muito tempo para dizer "Que se foda", cruzando em seguida, e de copo na mão, as ruas cheias e inclinadas, cravando cigarros, respondendo aos cumprimentos de pessoas que não reconhecia, dançando, perdendo-se, esquecendo-se, dançando ainda mais. No escuro da pista deixou que uma mulher a olhasse durante muito tempo, exagerou a coreografia, não disse nada quando sentiu o peito da mulher roçando-lhe as costas num bar com sobrelotação. Lavou a cara na casa de banho e cometeu ilegalidades, voltando para a pista de dança e depois para outra e ainda outra. Tinha novos amigos e beijou um rapaz num carro que, na manhã de Sol bem alto, sobrevoou o Tejo na ponte cor de fogo e estacionou junto da praia. Ela mergulhou, comeu peixe grelhado e gelados vários. Regressou a casa quando a noite de sábado crescia na cidade, luzes e janelas abertas e música em andamento dentro dos carros. Ele estava sentado na sala. Levantou-se, preparou-lhe um banho, deu-lhe jantar e fez o lençol cair sobre aquele corpo moreno e docemente amachucado. Disse: "Dorme bem. Amanhã temos de ir votar." Ela disse, já com os olhos fechados e palavras trôpegas e tontas de sono: "A festa acabou?
Hugo Gonçalves in "Jornal i"
6.05.2011
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