1.10.2011

"O Erro da Recta"

Não tente, assim de repente, andar em linha recta. A coisa não vai funcionar. Não tente, amigo, nem pense que a recta leva ao destino, que a recta é o caminho. A recta só é certa para quem não sai da linha, para quem acredita que a vida é um comboio, desses que têm maquinista, que têm controlo, que têm limites, que têm travões, que têm sentido.
Ande torto, rapaz! Ordenei-me com tal valentia que até pensei que de uma voz divina se tratava. Imaginei que Random, deus grego do aleatório, havia descido outra vez à Terra, dessa feita só para me alertar: "Vá ser gauche, como Vinicius e Drummond."
O erro da recta como proposta de vida ocorreu-me esta semana, no cimo do Morro do Pai Inácio, um tabuleiro gigante de rocha, com mais de 1100 metros de altura, na Chapada Diamantina, interior da Bahia. Há pouco mais de 20 anos estive a olhar o mesmo horizonte que o Pai Inácio proporciona. Digo o mesmo, pois o que são 20 anos no relógio de uma montanha?
A minha primeira incursão na Chapada foi pouco antes de eu decidir ir ("vir?", já não sei o certo) viver em Portugal. Naquela época, eu tentava escrever na pedra os meus planos e pensava que indo sempre em frente, seguindo a direcção apontada pelo meu nariz, não correria o risco de tombar com as minhas costas. A juventude é um poço infinito de ingenuidade.
Indo recto, cheguei, incrivelmente, ao mesmo ponto de partida. Quase consegui me ver mais moço, sentado no alto daquele penhasco, admirando o pôr do Sol. E quem vê isso, como numa cena de "Inception", sou eu mesmo, quase idoso, sentado no alto de um penhasco a admirar o pôr do Sol. Entre os dois momentos (e os dois homens) houve aquilo a que eu poderia chamar de existência, um confuso recheio de momentos, pessoas, actos e atitudes, um bolo que por vezes cheirou a mofo e outras a alecrim e a canela.
Desço o Pai Inácio em meio a algumas dezenas de jovens, plenos de sorrisos e sardas. Em vez de melancólico com a revelação do erro da recta, sinto-me revigorado e com imensa vontade de bradar ao gentio (ou postar no Facebook, o que dá mais ou menos no mesmo) a notícia: amigos, sejam mais tortos, para serem menos mortos. Procurem caminhos torcidos. Desconfiem dos certos. Fujam dos sem arestas, dos sem espinhos, dos sem espigas, dos sem espetos, dos perfeitinhos. Mas, sobretudo, não andem em linha recta.

Ou como diria o meu Tio Olavo, citando Pessoa: "Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugná-la-íamos, se a tivéssemos. O perfeito é desumano, porque o humano é imperfeito."

Edson Athayde in "Jornal i"

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