As pessoas não são as mesmas ao longo da vida. Em (digamos) sete anos, tudo mudou. Imagino que as pessoas que me conhecem há mais de sete anos se sintam desconfortáveis e defraudadas, pois eu mudei para além do imaginável. Talvez gostassem de rescindir a nossa amizade ou o nosso convívio por causa da diferença tão grande que se instalou, talvez haja alguma cláusula sobre isso em letras minúsculas. Mas sei que eles e elas também estão diferentes, e que tudo cruelmente se equilibra desse modo. É como nos casamentos com alguns anos, quando ambos verificam que vivem com uma pessoa distinta daquela com quem casaram. E vivem mesmo, porque ambos estão mudados pelo mundo e pelo tempo.
Suponho que toda a gente cresce e aprende. Ou envelhece e reage. Mas há gente cujas células parecem bastante estáveis. Não é assim comigo. Em sete anos (digamos) mudo completamente. Já não penso, não desejo, não faço o mesmo. Encontro e rasgo bocados inteiros da minha vida passada porque de repente não me dizem nada. Há épocas que são um buraco negro, uma energia negativa que esvazia completamente a memória de alguém (eu) que ainda por cima tem péssima memória. E embora cresça e aprenda (ou envelheça e reaja), é como se nada me aproveitasse, porque a descontinuidade põe o jogo sempre no zero. É isso que explica que, não sendo o mesmo, cometa sempre os mesmos erros.
É inquietante, isto de mudarmos e sermos compostos de mudança. Não me reconheço de todo em muito daquilo que fui noutros tempos, e ainda estou (talvez) a meio caminho. Há uma espécie de ódio e de amnésia em cada encarnação, o ódio tentando resgatar o esquecimento, a amnésia adormecendo a raiva. Avanço sete anos nesse carnaval grotesco e de nada me aproveita a caminhada. Sou eu mesmo e o outro. Um homem que não é o que foi, que não será aquilo que é agora, um amontoado de células mutáveis e apavoradas.
O mesmo acontece com os outros, Também eu um dia percebo que não sei bem quem são, que não nos aproximámos por causa disto mas por causa do oposto, por motivos diferentes ou caducos. Sete anos passados, umas células mortas, lições aprendidas sem préstimo. E continuamos, uns com os outros, como prisioneiros na mesma cela. Ou como um guarda fronteiriço que olhasse para o passaporte e para o rosto do viajante e a foto não correspondesse. Um guarda que visse nos papéis e na carne rostos diferentes e não achasse isso ilegal, apenas inevitável e triste. E deixasse seguir automóvel e passageiro, pois não há regresso possível e o destino ninguém sabe onde fica.
Pedro Mexia
Nada de Melancolia
7.21.2009
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