4.25.2010

MENiNO DO RiO

"Não tinha sequer pensado em escrever-te, ando cansado de ti e do teu humor de merda em tantas tardes de chuva. Ia escrever sobre o aniversário da descoberta do Brasil ou sobre os cariocas que graffitaram a estátua do Cristo. Mas depois saí de casa por causa do sol e comprei um cornetto, e juro-te, há sempre miúdos com uma bola na minha rua. Hoje, finalmente, a bola fugiu para os meus pés e dei dois toques antes de passar. O dia corria-me bem, até porque numa esquina da praça já não se vendem castanhas mas morangos gordos e mangas cor de fogo. Nas escadas da calçada portuguesa encontrei adolescentes que, estou certo, se baldaram à ultima aula e que fumavam ganzas ou namoravam como nos filmes que vêem nos portáteis - ela com a mão no queixo, ele com a franja nos olho. E essa asiática linda, com óculos escuros de diva e cabelo de guerreira. Ou a miúda que falava ao telemóvel com a mãe, pedindo dinheiro para a renda e dizendo que não sabia se ia receber uma bolsa: "Mas tenho fé", copiei da boca dela para o meu bloco de notas. Queria falar do Rio de Janeiro, mas por causa de uma limonada no Chiado, das estrangeiras giras com ombros de alças e chapéus de palha, por causa de todos os coxos, cegos e janados que pedem esmola, por causa dos ciganos que tentam vender-me haxe, por causa dos prédios que ardem junto da minha casa, devolutos, esquecidos, sem ninguém que faça vida neles há décadas, porque me fodes o juízo e me dás tanto, estrou a escrever-te a ti.
Sabes, Lisboa, às vezes estás-me tão entranhada.


Hugo Gonçalves in "i"

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