12.03.2010

O ARTiSTA DAS MiL CARAS | Vhils AKA Alexandre Farto

Em cima de um sofá no escritório da galeria de arte Vera Cortês, em Lisboa, cresce uma pilha com mais de 15 livros de arte: todos os que publicaram fotografias de trabalhos de Vhils no último ano. Aos 23 anos, Alexandre Farto, mais conhecido por Vhils, é o artista português mais admirado no mundo da arte urbana. Quando nos abre a porta da galeria que o representa em Portugal, desde 2005, não o reconhecemos de imediato. Embora as caras que faça nas paredes do mundo inteiro - num recatado parque de estacionamento em Torres Vedras ou num prédio no centro de Moscovo - sejam famosas, não costuma mostrar a sua. "Os rostos que faço nas paredes são de pessoas anónimas e são baseados em fotografias", explica ao i numa voz baixa e tímida. "Gosto de dar um rosto à cidade e de dar poder a pessoas comuns." É difícil apanhar Alexandre Farto em Lisboa. Desde os 19 anos que vive em Londres, onde tirou um curso de Belas Artes na St. Martin''s School. Foi na capital britânica que começou a ser conhecido: "Convidaram-me para expor no Cans Festival, um evento [num túnel na Leake Street, em Londres] organizado pelo Banksy e a reacção das pessoas foi muito boa", conta. "A partir daí surgiram bons convites e comecei a trabalhar com a Lazarides Gallery, em Londres, [galeria do mesmo agente de Banksy] e com a Studio Cromi, em Itália." Antes de imaginar que o seu trabalho viria a ser capa do jornal britânico "The Times", em Maio de 2008, Alexandre começou por pintar as letras do nome com que assina - Vhils - aos 13 anos em comboios e nas paredes da sua terra natal, o Seixal, na Margem Sul. "Depois comecei a perceber que o graffiti é um código, um jogo urbano, talvez como a arte contemporânea, só um círculo fechado de pessoas percebe e conhece os artistas", diz. "Fartei-me um bocado disso e apercebi-me do grande potencial de comunicação que havia na rua." Farto de pintar em paredes ilegais, o seu próximo alvo foram os posters de publicidade espalhados pela cidade. "Pintei-os de branco e comecei a escavar a camada gigante de anúncios que se tinha acumulado ali ao longo dos tempos. É quase como um processo arqueológico." Ao criar retratos nos cartazes, Vhils queria "criticar a influência que a publicidade tem sobre as pessoas, nos seus sonhos e naquilo que querem." Depois disso, saltou para as paredes, onde viria a alcançar sucesso. "Um dia, quando estava a escavar posters, toquei na parede e pensei: ''Se posso fazer isto nos posters também posso fazer na parede.'' E experimentei." Um martelo pneumático e um martelo normal são suficientes para a escavação. Antes disso, Alexandre marca na parede, com spray, a figura que quer esculpir. Para terminar o trabalho, usa materiais tão invulgares como lixívia, produtos de limpeza, ácidos corrosivos e até café "para pintar". "Estivemos fechados tanto tempo com a ditadura que depois do 25 de Abril tudo aconteceu na rua", diz Alexandre. "Em 30 anos, com os muros políticos, o boom da publicidade e o graffiti, as paredes engordaram 20 centímetros e o que faço é pintar com essas camadas de história." De Lisboa a Londres, de Moscovo a Bogotá, as caras que Vhils espalhou pelo mundo estão reunidas num livro que acaba de chegar a Portugal e está à venda na galeria Vera Cortês. "Vhils/Alexandre Farto Selected Works 2005-2010" é uma compilação dos trabalhos do português nas paredes e em suportes como metal ou madeira. "Foi um convite da editora holandesa Lebowski e já está à venda na Holanda, na Bélgica e em Londres. Faltam alguns trabalhos mas já é uma boa selecção." No livro falta por exemplo a instalação de espelhos feita por Alexandre no Elevador da Bica no início do ano. "Não quero deixar de fazer coisas em Lisboa nem de trabalhar com a comunidade do graffiti com quem cresci", diz. Na semana passada, lançou com Vera Cortês (dona da galeria portuguesa que o representa desde que ainda andava no 12º ano) a plataforma de arte urbana Underdogs. Este ano trouxe a Lisboa vários artistas internacionais para pintarem prédios a propósito do projecto Crono. "Lá fora já dizem que Lisboa é a nova Barcelona." Trabalho não lhe falta. Além de estar a gravar um teledisco da banda portuguesa Orelha Negra, está a preparar uma escultura para uma praça em Turku, na Finlândia, cidade europeia de 2011.

in "Jornal i"

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