12.16.2010

SAMBA DO ATROPELAMENTO

Rapaz, saí de Portugal há 15 anos e todos os dias tem tragédias românticas nesta cidade, não se assuste não, é assim mesmo, tem mais novela das oito no meu bairro que na televisão, mais mulher perigosa que arma ilegal, mais homem comilão que chuva de fim de tarde. Nesta cidade se ama com a mesma fúria dos bandidos. Amor mata mais que cachaça, pó e bala perdida. Eu não estava aqui na hora da desgraça, mas disseram que a garota era filha única com faculdade nos Estados Unidos e o rapaz era gringo, um desses turistas que em vez de procurar sexo com putinhas bonitinhas prefere buscar o amor, a paz de espírito e uma saída para o pessimismo chuvoso dos boletins psiquiátricos da Europa. Não se ofenda não, eu posso ter esse sotaque meio-meio, mas sou português de Chaves, e você é que perguntou o que aconteceu, só estou contando. O rapaz era músico e tinha viajado para São Paulo e quando voltou ela já não queria ser a inspiração do artista e estava saindo com um advogado de celebridades. Uma garota linda, cara de menina de colégio que virou escritora mas que podia ser actriz da Globo. Ela estava no mercado. Ele estava cruzando a rua, com certeza para lhe falar da importância do amor romântico, das sestas tropicais e de um final de semana de bagunça erótica e promessas de amor agora escangalhadas para sempre. Tenha cuidado, quando cruzar a rua por causa de uma mulher, olhe para ver se vem um ônibus. Não leu no jornal? Este ano já foram atropeladas mais de mil pessoas nesta cidade. E quantas delas não terão morrido por causa de um impulso amoroso?

Hugo Gonçalves in "Jornal i"

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