1.11.2011

ViDEOCLiP

Fade in. Ele saiu da praia com o traje carioca de domingo - calções de banho e havaianas e pele quase mulata. Ela chegou num avião, ansiosa de mar, colo e sexo oral. Combinaram encontrar-se no calçadão, esquecendo que é neste dia da semana que o povo alcatifa a praia de cadeiras e geleiras e famílias gordas e moleques que guincham e chapinham na rebentação como se fossem minas pessoais prestes a detonar. A multidão da praia transvaza para o calçadão e mistura turistas albinos, pretos namorando pretas, brancas estilosas que passam de skate como se fosse de lambreta. Nesta corrente de pessoas - um carreiro de formigas seminuas - ela caminha do Leblon para Ipanema, ele na direcção contrária. Está preocupado porque ficou sem bateria no telemóvel. Ela olha para as primeiras luzes que se acendem nas barracas do morro e nos hotéis de luxo, admira a água no final da tarde, menos azul, mais suave em caso de mergulhos. Ele inquieta-se, como se estivesse atrasado para um campeonato de karaté, quando imagina que talvez já tenha passado por ela, que perdeu o momento. Eles encontram-se, olham-se, a mão dele avança para a cintura dela. Uma outra mão, muito mais branca, elegante como uma bailarina em pontas, pousa no pescoço moreno. Cercados pelo rumor dos corpos em movimento, beijam-se como na vida real - até ficarem sem fôlego, com dentadas nos lábios, com a vontade de um quarto com cama e lençóis lavados. Caminham para as ondas, apunhalam a espuma, procuram-se outra vez. Fade out.
Nada podia ser mais verdadeiro.

Hugo Gonçalves in "Jornal i"

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