Não há luz, porque a rua é estreita e só cabe um turista de cada vez, uma fila de homens com chapéus de basebol e baba escorrendo dos seus cérebros educados pelas palestras do YouPorn. Tu és nova e não és daqui. Tens cabelo negro e a armadura delicada do teu corpo está longe de ser herança destes genes gigantes do Norte da Europa. Deves conhecer mal Amesterdão, porque passas muito tempo nesse biquíni fluorescente, tão vulgar como a luz vermelha do néon que tinge a tua cara de menina sem vergonha. Abres a porta do cubículo e, como uma angariadora de fundos para a causa da fornicação com direito a recibo, tentas convencer um rapaz: "Vieni qua." Esta é a disneylândia do fumo livre e da carne emoldurada, parque de diversões para estrangeiros apalermados, viagens de finalistas e desadaptados sem nada a esconder. Passo por este bairro seguro de que sou libertário - fumem, comam-se - mas que me incomoda olhar para ti banhada por essa luz de talho, uma cama encostada na parede tão triste como uma cama de sanatório, a cortina a separar o teu trabalho de boca das alcateias que passam lá fora. Não devias ficar aqui tantas horas, sentada num banco alto, os sapatos um pouco largos no calcanhar. Há tantos outros bairros nesta cidade onde poderias estar, praças, parques, ruas com nomes que a tua garganta não consegue pronunciar - Linjbaansgracht - mas que te acolheriam com muito mais cuidado do que o homem que negoceia preços na tua janela. Fechas a porta, corres a cortina. E eu preferia que a vida fosse tão fácil como andar de bicicleta numa tarde de sol.
Hugo Gonçalves in "Jornal i"
3.22.2011
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
Mas um Wow dos bons..
Enviar um comentário