Logo pela manhã caminha pelo lado quente da calçada e repara nos canteiros com feromonas em flor, no poder medicinal do sol, na pele que te pede alguma coisa. Observa a curva tão promissora daquele ombro onde repousa a alça do vestido e depois admira outra curva, o fim das costas, uma rampa de lançamento para o desassossego, lugar de recreio para a ponta dos dedos, aquilo que delicadamente os americanos chamam de "small of a woman''s back". Não és religioso, mas acreditas na metamorfose das estações. És devoto dos climas quentes e sabes que é em dias assim, quando somos todos bichos da terra, que algo se reanima nos corpos empolgados pela estreia da estação, e os cabelos luzem como asas, os lábios crescem um pouco, há mais saliva na boca, dilatam-se as pupilas, o sangue circula pelas partes mais selvagens da carne. Deixa-te ir, não resistas, porque faz parte da nossa natureza, é aquilo de mais autêntico que tens para mostrar, o âmago das feras primitivas que ainda somos. Caminha pela cidade, deixa-te inquietar pelos detalhes do show da Primavera: um mamilo notando-se sob o tecido, os joelhos de minissaia na esplanada, a tensão nas ruas, o sorriso das miúdas que também percebem a importância dos dias assim - dias mais longos, lascivos como o flirt que começa na esplanada ao fim da tarde e acaba no chão do quarto quando principia a madrugada. Deixa-te ir, porque este é também o nosso propósito. É verdadeiro.
Esquece tudo o que fica mais além do teu corpo. E não tenhas medo de estar sozinho, porque em dias assim somos todos bichos da terra.
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