Escrever todos os dias não cansa. Escrever todos os dias não é suficiente. Por vezes, estás de copo na mão, a dizer disparates numa esquina, e pensas se os teus dedos frios por causa do gelo da bebida não deveriam estar nas teclas deste computador - o medo de não fazer o suficiente, o assombro do fracasso. Como te confessou um amigo, o fracasso é o que seguramente encontrarão todos os escritores. O fracasso de ficar aquém daquilo que imaginaram e se propuseram e que deu trabalho. Esse é o fracasso mais importante para o escritor: nunca alcançar, com a palavra, o que a cabeça criou e o coração engoliu e o corpo experimentou. Só isso permite que continue, porque a tesão não está na chegada, está naquilo que acontece durante a viagem. É a inevitabilidade do fracasso que empurra o escritor, arriscando, não caindo na tentação de repetir uma fórmula de sucesso. Por isso, é bom escrever todos os dias, manter o ritmo, tentar, falhar e começar de novo. O fracasso é teu amigo. Não tenhas medo de espalhar-te ao comprido na curva. Acelera mais. E escuta: nada disto é dramático, nem decisivo e sabes que preferes escrever para viver melhor do que viver apenas para escrever - há ainda muitos copos e muitas esquinas para dizer disparates. Mas lembra-te que tens a graça de ter encontrado aquilo que amas, e que fizeste disso a tua vida. A escrita não é um fardo nem é dor nem é sacrifício. É um privilégio. Razão pela qual continuarás a escrever todos os dias, curva e contracurva, namorando sempre (promete, vá promete) a possibilidade de um despiste.
Hugo Gonçalves in "Jornal i"
4.26.2011
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