Filipe e Jorge eram estudantes de Letras, mas eram também competidores na arte da poética do engate, girinos da literatura inspirados pela decotada comissão da frente de Violeta, aluna do quarto ano com mais cadeiras em atrasado do que uma tuna académica. Filipe perdeu um concurso de poesia e nunca a beijou durante a faculdade. Jorge escreveu um conto premiado e fez um filho a Violeta no último ano do curso. Filipe acabou a escrever telenovelas. Jorge apresentava programas de TV e publicava bestsellers sobre teorias da conspiração. Filipe foi convidado para escrever os discursos de um líder partidário. Jorge foi contratado pelo político rival. Passaram a competir todos os dias, tinham o país como audiência, os telejornais como ringue, um combate mano a mano, palavra a palavra, insulto a insulto. O partido para quem Jorge trabalhava ia em segundo lugar nas sondagens, e ele tentou escrever a obra-mestra da dramaturgia eleitoral, produzindo um discurso tão eficaz na destruição do adversário como arame farpado na pele de uma criança gorda. Filipe foi despedido nessa noite, faltava-lhe imaginação bélica. Disseram-lhe: "Queremos mais drama, mais sangue." No dia seguinte, soube que fora substituído por Jorge. Uma contratação muito falada na imprensa. Filipe voltou para o colo da mulher com quem casara, Violeta, e para a companhia do enteado, filho de Jorge. Parecia que chegava sempre em segundo lugar. Violeta, menos musa do Tejo e mais mãe de família, passou- -lhe a mão na cara e disse: "Pelo menos com as novelas não fazes mal a ninguém".
Hugo Gonçalves in "Jornal i"
5.25.2011
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