Ele segue a pé a linha do eléctrico, procura as sombras monumentais do Terreiro do Paço, a frescura dos arcos de pedra, ouve alguém dizer: "Às sete da tarde estavam 33 graus." Os escapes trepidam na Rua do Arsenal. Sente-se na língua o sal dos bacalhaus pendurados nas mercearias, a fruta arrumada por cores, a água armazenada nas arcas frigoríficas das lojas dos indianos. À sua frente vai uma mulher com cabelos amarelos de sol e de produtos químicos. Os homens preparam poses quando ela se aproxima - nem se dando conta do que fazem -, adiam uma passa no cigarro, enchem um bocadinho o peito, inclinam um dos ombros. Os homens aquecem e ele percebe como a temperatura os inquieta. Sabe que o calor liberta muito mais que o trabalho. Tudo se desprende e se desata e se destranca quando as flores dama-da-noite entranham o seu perfume nas ruas sem uma brisa. Mas não são estes homens nem a loira que lhe interessam. Há uma mulher e uma música que não lhe saem da cabeça: "I wanna run home to you/put on a slow dumb show for you/and crack you up." Ele acelera o passo, indiferente ao talento de vendas das prostitutas geriátricas do Cais do Sodré. Um grupo de pessoas ri-se muito alto numa esplanada da Praça de S. Paulo, ele ri-se também. Os candeeiros públicos acendem-se quando toca à campainha. Sobe as escadas em corrida, tem a camisa colada ao corpo, pulsação de apaixonado temerário. Ela abre a porta. Ele diz: "Tens de saber uma coisa importante sobre mim. Eu acho que os The National são um bocado chatos." And she cracks up. Depois diz: "Eu também."
Hugo Gonçalves in "jornal i"
5.26.2011
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