6.14.2011

DESLiGA

Tenta apagar parte da tua vida.
Vê como se esvanecem as luzinhas histéricas e deixa de apitar a cada três minutos - no bolso das calças ou no portátil que está no teu colo enquanto espreitas a TV e zapas no comando como quem tecla um SMS com polegares de campeão da Playstation. Experimenta desactivar o Facebook e ter zero amigos, nenhum like, ninguém a lol isto e a J aquilo ou a escrever m#%&$ em vez de merda na caixa que passará a ter comentários nenhuns.
Estás com miúfa de ficar aborrecido, sozinho, esquecido no mundo do aqui e do agora? Queres zangar-te quando não apanhas rede ou o multibanco está mais lento que um bancário? Sentes, como diz Louis C.K., que o universo te deve alguma coisa quando a wi-fi vai abaixo?
Terás saudades de, a meio de um momento com amigos, escolher a aplicação que permite, através do teu tablet, anunciar numa rede social: "Pató está com Ansioso e Coninhas num Internet Café a beber frappucinos"? Como sobreviverás sem fazer um link para cada instante da tua vida? Não corras para twittar sobre mim, não me faças um tag, não amplies a minha cara como quem dispara um berlinde sobre o touch screen. Não me chames de analfabeto. Não quero proibir o jogo dos porquinhos no iPhone ou obrigar a que se desliguem telemóveis durante o sono. Só gostava que experimentasses desligar-te um pouco, perceber que depois da paranóia da privação não te fazem assim tanta falta coisas que julgas providenciais. Não se trata de eliminar todas as prodigiosas ou inúteis invenções humanas. Trata-se apenas de saber que mandamos nelas, não o contrário.

Hugo Gonçalves in "Jornal i"


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