Ela está sentada no parapeito da janela e o sol, caindo no outro lado da cidade, torna a vista, nas suas costas, mais suave nos contornos: o miradouro da Graça, o Castelo, a encosta com palmeiras e outras coisas verdes por entre telhados e fachadas cor-de-rosa. Ela tem um vestidinho azul e branco. Nas colunas tocam fados porque é precisa um banda-sonora para as histórias desta cidade, muito mais literária e romanesca do que imagina, cheia de recantos para namorar e ruas estreitas que apontam ao rio. Toca o "Fado da Sina", mais fatalista que uma despedida no porto em dia de tempestade: "Já que a má sorte assim quis/A tua sina te diz/Que até morrer terás de ser/Sempre infeliz." E embora não consiga deixar de reagir à ressonância das guitarras, não podia estar mais em desacordo. É que agora há muito mais gente que não acredita no fado da sina, nem em linhas traçadas na palma da mão, nem em cruzes que se carregam como luto perpétuo. Somos uma Lisboa fadista, mas que escolhe o seu caminho. Já viajámos, já traímos esta cidade com outras, e não acreditamos no vício da tristeza obrigatória. Porque Lisboa põe agora mais empenho na vida do que nas maleitas da melancolia sem cura. Já ninguém quer sofrer nestas ruas. Quando muito sentimos um estremecimento na alma fadista se ouvimos Amália na rádio e a cidade se abre à luz, aos bandos de andorinhas e aos estrangeiros que se enamoram desta cidade. Acabou-se a triste sina. Só não acabou uma coisa: a saudade boa sempre que estamos fora. Uma saudade tão bonita como a rapariga de vestido às risquinhas na janela.
Hugo Gonçalves in "Jornal i"
6.25.2011
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