A notícia do internamento hospitalar do Eusébio foi das maiores
surpresas da minha vida. A doença não é coisa que normalmente
associemos à divindade, daí que a arteriosclerose do Pantera Negra me
tenha apanhado desprevenido. Se até o Eusébio adoece, que esperança
resta a mortais como nós? Como tudo o que é inesperado, a doença do
Eusébio fez-me pensar, e o leitor sabe bem como os factos que me fazem
pensar merecem celebração, quanto mais não seja pelo respeito que é
devido aos acontecimentos raros. Em Portugal, temos o hábito de
esperar que as pessoas morram para as homenagearmos, altura em que a
homenagem, parecendo que não, é apreciada com menor entusiasmo. No caso
das pessoas que vivem para sempre, como o Eusébio, as homenagens
correm o risco de ficar adiadas indefinidamente. Por isso, enquanto é
tempo, presto a minha homenagem a Eusébio da Silva Ferreira, antes que
seja tarde e eu morra sem conseguir fazê-lo. Se o que digo enquanto
vivo faz pouco sentido, calculem como serei incongruente depois de
defunto.
A minha admiração pelo Eusébio nasceu num momento particular.
Eram os últimos minutos da final da Taça dos Campeões de 1968, e o
jogo estava empatado entre o Manchester United e o Benfica. Mesmo no
fim, Eusébio aparece à entrada da área dos ingleses com um adversário
de cada lado. Naquele tempo, as regras do futebol eram quase iguais às
de hoje: injustas. As equipas eram obrigadas a jogar com apenas onze
jogadores de cada vez, mesmo que do outro lado estivesse o Eusébio. A
desproporção de forças era gritante. Era óbvio para todos que, só com
três adversários pela frente (contando com o guarda-redes), Eusébio ia
marcar.
O Pantera Negra não desiludiu ninguém: deixou os defesas para
trás como sempre, e depois fez o gesto de sempre e chutou com a força
de sempre. Estava lá dentro, e o Benfica seria campeão da Europa pela
terceira vez. Era impossível que o guarda-redes apanhasse aquela bola.
E, no entanto, apanhou-a.
Quando percebe que o guarda-redes lhe tira a oportunidade de
fazer o golo decisivo nos últimos minutos da final da Taça dos
Campeões Europeus, qual é a reacção de um jogador? Grita? Pragueja?
Chora? Insulta o adversário? Insulta a bola? Insulta-se a si mesmo?
Provavelmente, faz tudo isso e ainda arranca cabelos. O que fez
Eusébio? Foi ter com o guarda-redes e cumprimentou-o. E depois
aplaudiu a defesa. O Eusébio era aquilo tudo que toda a gente admira: os
golos do meio campo, as arrancadas a deixarem todos para trás, a
força sobre-humana, a velocidade incrível. Mas era também aquele
cumprimento e aquele aplauso a um simples humano que se tinha
transcendido a ponto de o conseguir parar. De entre todos os deuses
que a Humanidade inventou, desde o início dos tempos, não sei se
haverá muitos que reúnam tantas qualidades como o Eusébio.
Tantas palavras para deixar aqui escrita a minha opinião sobre
ele quando ela se reduz a duas linhas: Eusébio é outra maneira de
dizer alegria. Eusébio é outra maneira de dizer Benfica. São dois
favores que eu agradeço.
Obrigado, King.
1.06.2014
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